Encontrar (-se)
Ela estava estafada da vida e do mundo. Quando percebeu que o estresse chegava a níveis periclitantes, decidiu tentar tirar uma folga dos seus problemas. Aceitou o convite para visitar aquele seu amigo tão querido, um dos palhaços mais sensíveis e lindos que já conhecera. A estadia incluía, além das boas companhias de sempre, farta programação de risadas, música da boa e outras formas de sair e voltar a si e ao mundo.
E foi numa dessas madrugadas de lavar a alma, que Ela esbarrou com um típico representante dos seres humanos. Ele estava lá em algum canto do segundo bar da noite. Até onde o grau alcoólico a permitia lembrar e o som daquele rock bem cantando a deixava escutar, ele se recuperava de um daqueles grandes eventos da vida, como falecimento ou separação. Uma dessas experiências de ruptura unilateral que uma pessoa faz com a outra e, mesmo sabendo que vai ou pode acontecer um dia, ficamos muito tristes diante da realidade ensurdecendo nossos ouvidos. Mas ele parecia muito digno, ao menos naquele momento em que se esbarraram.
Simpatizou com aquela leve fragilidade que ele deixava transparecer. Pela idade de suas filhas, ele já devia estar nos “enta” há um tempinho. Mas não parecia tão seguro de si e do mundo, com a arrogância que algumas pessoas com experiência se defendem de tudo e de todos. É como se qualquer vestígio de fragilidade fosse um grave desvio de caráter, a rachadura que faz desmoronar a fortaleza que se esforçam para acreditar que são. Ela não estava em condições de se deter muito em qualquer sofrimento, pois corria o risco de que o seu a achasse ali no meio daquela serra onde tentava se esconder. Mas não pôde deixar de notar. Apreciava muito quando encontrava alguém com essa disposição em despetalar-se diante do outro sem muitos esforços. É claro que sabia da importância de cada um construir suas defesas. Sabia que a vida mesmo exige que coloquemos nossas forças em prática. Mas achava que os escudos servem unicamente para defender de ataques. No resto do tempo só pesam. Pensava que as defesas não podem se tornar prisões que nos distanciam dos outros, criando uma falsa imagem de auto-suficiência. Sabia que a força dos seres da espécie humana vinha da sua capacidade de se compreender como pedaço de um todo. Um pedaço importante e singular, é claro, mas que sabe que a sua incompletude pode ser preenchida pelo próximo.
Mas ela sabia que essa era uma informação quase secreta. Por mais que se propagandeasse por aí que somos falhos e imperfeitos, parecia que ninguém era capaz aceitar essa ideia como natural e muito menos de achar alguma beleza nisso.
E foi por isso que este e outros momentos em que encontrava um pouco de si no outro, causavam nela tanto contentamento.
Me contento por achar aqui um pouco de mim, nas palavras outras.
ResponderExcluirO uso da emersão sentimental de maneira que desfoque todo o ambiente foi muito bom. Parabéns.
ResponderExcluirEste comentário foi removido por um administrador do blog.
ResponderExcluirQue coisa louca, é difícil ver uma descrição sentimental tão boa assim. Tanto me identifico com tudo isso que parece que me foi arrancado um pedaço do peito a cada parágrafo mais sensível que o anterior. Não tenho palavras para dar um parabéns digno deste texto.
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